Monitorias externas: salvação ou maldição?

No último dia 13 de maio de 2020, a Braskem comunicou por meio de Fato Relevante a conclusão da monitoria externa iniciada há pouco mais de três anos, que foi supervisionada pelo Ministério Público Federal (Brasil), pelo Department of Justice e pela Securities and Exchange Comission (EUA). Com isso, a Braskem se tornou a primeira companhia brasileira a atingir esse marco, com a certificação das três autoridades.

A monitoria na Braskem foi estabelecida nos acordos de leniência celebrados em dezembro de 2016, em decorrência das denúncias da Operação Lava Jato. O exemplo da Braskem pode contribuir para o aprimoramento dessa atividade no Brasil, o que seria salutar tendo em vista que as monitorias externas já fazem parte da nossa realidade. Como um dos responsáveis pela condução desse processo, reuni alguns ensinamentos valiosos que, acredito, merecem ser compartilhados. (1)

A monitoria externa se define como um conjunto de atividades desempenhadas por um terceiro independente para avaliar os mecanismos de prevenção, detecção e remediação de desvios em uma companhia, recomendando as mudanças que entender necessárias. O monitor é nomeado e responde diretamente às autoridades competentes, às custas da companhia. A duração do processo geralmente varia de um a três anos, extensível caso a companhia não obtenha a certificação final.

Afinal, quais as lições aprendidas e que conclusões se pode tirar de um processo de monitoramento externo conduzido segundo os melhores padrões mundiais? A monitoria é um temido “buraco sem fundo” ou um oportuno “caminho da redenção”?

Em desfavor das monitorias os fatores usualmente levantados dizem respeito (i) ao seu elevadíssimo custo, principalmente com advogados e assessores contábeis que atuam com relativa autonomia da definição do seu próprio escopo de serviço; (ii) aos impactos no curso normal das atividades da companhia, advindos da natureza acentuadamente intrusiva do processo; (iii) aos choques culturais que sempre se apresentam, com a imposição de modelos pouco aderentes ao contexto da companhia; e (iv) aos impactos negativos na reputação da companhia, submetida a um processo por muitos visto como vexatório.

No lado oposto, pode-se considerar como possíveis benefícios de um processo bem conduzido (i) a implementação célere de importantes aprimoramentos na governança corporativa, sistema de compliance e controles internos da companhia; (ii) a quebra de paradigmas arraigados, na prática ou na cultura empresarial, que normalmente impedem a realização de mudanças positivas; (iii) o “selo de qualidade” que uma monitoria supervisionada por autoridades reconhecidas traz para a companhia, com benefícios generalizados junto a seus stakeholders; e (iv) a construção de uma relação de confiança com as autoridades, que resulta da condução séria do processo.

Ao fim e ao cabo, o balanço final de uma monitoria externa será sempre a resultante desses prejuízos e benefícios, já que todos representam riscos que se materializam em maior ou menor grau. Nesse passo, a verdadeira questão diz respeito às medidas e cuidados que devem ser adotados com vistas a minimizar os resultados negativos e maximizar os positivos. Em outras palavras, qual a receita do sucesso?

O primeiro fator decisivo para o sucesso de uma monitoria é a escolha do monitor. Para além de todos os atributos básicos que se deve buscar (experiência, competência, razoabilidade etc.), a reputação do monitor em casos pretéritos e o bom relacionamento com os assessores externos da companhia são os dois elementos mais seguros de uma boa escolha.

Por isso é fundamental buscar informações sobre a satisfação de companhias monitoradas anteriormente, duração dos processos, quantidade e frequência de nomeações. Na entrevista do candidato, compartilhar expectativas e estabelecer compromissos também pode ajudar na relação futura com o monitor.

O engajamento de um assessor com atuação em monitorias constitui outro fator relevante. Além da sua complexidade e sensibilidade, a monitoria é daquelas atividades pelas quais a companhia só passa uma vez. Conduzir o processo sem envolver um especialista, muitas vezes por economia, é um erro que pode custar caro.

Nos EUA se observa uma dinâmica de alternância dos advogados, que ora atuam como monitor, ora como assessor externo. Isso reforça a importância do advogado externo no processo. Como a atividade no Brasil tem sido fortemente influenciada pela prática americana, será útil observar o desenvolvimento dessa dinâmica por aqui.

O envolvimento do Conselho de Administração é também recomendável. A amplitude e duração do processo demandará priorização generalizada de todas as áreas e regiões geográficas da companhia. A experiência demonstra que não se consegue esse grau de mobilização sem que a mensagem venha do mais alto nível hierárquico.

Além disso, muitas das recomendações dos monitores demandarão mudanças significativas, dependendo de decisões do Conselho. Pelo próprio ritmo do processo, não haverá tempo para um envolvimento ad hoc do órgão apenas quando se necessite de uma decisão.

Outro fator importante é a adoção de uma governança eficiente, sob a coordenação de uma equipe dedicada (e.g. PMO). Num certo sentido, a monitoria nada mais é do que um conjunto de projetos que se articulam por meio de um gerenciamento central, com metodologia, controles, recursos e sistema de comunicação próprios.

Haverá múltiplas frentes envolvendo processamento de informações, produção de documentos, redesenho de processos, reformulação de normas, redimensionamento de equipes, discussões com as autoridades etc. Sem uma governança cuidadosa, é fácil se perder em meio a tantas demandas simultâneas.

A minuciosa revisão das minutas dos planos de trabalho e relatórios do monitor é outro fator digno de nota. Para simplificar o diálogo e ganhar tempo, a companhia deve tentar acordar um processo em que possa solicitar os ajustes que entenda necessários antes da submissão das minutas às autoridades. Os prejuízos decorrentes da obrigação de adotar más recomendações podem comprometer o resultado da monitoria.

Finalmente, a demonstração inequívoca de comprometimento constitui aspecto intangível de suma importância. Quando a companhia é colocada na posição de ser monitorada, desvios gravíssimos ocorreram e há uma compreensível crise de confiança.

O clima inicial se arrefece com a demonstração de seriedade. O quanto antes esse ciclo se completar, mais cedo se terá um ambiente propício à busca do equilíbrio entre as necessidades de compliance e as realidades do negócio.

Na sua monitoria, a Braskem seguiu a receita aqui exposta e parece já ser possível concluir que o saldo foi positivo. Ressalte-se que o seu desafio foi bem maior, não apenas pelo pioneirismo, mas sobretudo porque a monitoria foi supervisionada por autoridades distintas, o que demandou cuidadosa harmonização. Merecem cumprimento todos aqueles que contribuíram para o excelente resultado alcançado, com menção especial a Fernando Musa, Diretor-Presidente da Braskem à época da monitoria e figura central no processo.

(1) No cargo de Vice-Presidente Executivo da Braskem à época, tive participação direta na negociação do Acordo Global com as autoridades e nas atividades da monitoria.

Artigo publicado no JOTA.

Por Gustavo Valverde

03/07/20

Compartir

LinkedInFacebookTwitterWhatsApp