Negociar é a Solução. Basta de Conflitos!

Passados mais de cem dias da adoção das ações emergenciais para conter a propagação da pandemia gerada pela Covid-19, transfere-se a atenção para as medidas progressivas de retomada das atividades econômicas que ficaram paralisadas ou foram reduzidas. Haverá setores da economia, pela natureza das próprias atividades, que retornarão mais rapidamente à normalidade, outros viverão o que vem se chamado de novo “normal” e outros terão que se reinventar sob o risco de desaparecerem.

É justamente neste momento de retomada que as consequências produzidas pela paralisação ou redução das atividades econômicas virão à tona. Empresas e indivíduos tiveram direitos e obrigações afetadas, negócios deixaram de ser concluídos, milhões perderam ou perderão empregos. Além disso, a retomada da economia demandará em muitos casos a adaptação a novos protocolos de segurança que, além de custosos, traz uma enorme incerteza sobre os impactos na geração de receitas.

Este é, sem dúvida, um terreno fértil para um aumento significativo no número de conflitos.

Dados recentemente veiculados no Valor Econômico apontam um aumento de 68,6% do número de pedidos de recuperação judicial de abril para maio, enquanto o número de falência subiu 30%. Economistas, contudo, acreditam que estes números devam se acelerar ainda mais no segundo semestre.

Resta saber, contudo, se o poder judiciário e os empresários estão preparados para enfrentar este cenário desenhado pelos economistas.

A recomendação Nº 56 de outubro de 2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sugere a constituição pelos Tribunais de Justiça dos Estados de varas especializadas em recuperação judicial e falência nas comarcas onde se observa um elevado número de pedidos desta natureza, média anual de 221 casos novos principais e incidentes relacionados à matéria, dos quais pelo menos 30 pertencentes às classes “Falência de Empresários, Sociedades Empresariais, Microempresas e Empresas de Pequeno Porte” ou “Recuperação Judicial”, considerados os últimos três anos. A meta recomendada pelo CNJ, contudo, ainda está muito longe de ser alcançada.

Não por outra razão, o mesmo CNJ, antecipando-se ao aumento de pedidos de recuperação judicial e falência que adviriam e virão da Covid-19, editou uma nova recomendação, Nº 63, destinada aos juízos em geral com competência para o julgamentos de RJ, propondo uma série de medidas para a mitigação do impacto decorrente das ações de combate à contaminação pela Covid-19. O principal objetivo desta recomendação foi permitir que as empresas possam continuar suas atividades caso necessitem socorrer à RJ, protegendo assim a função social da empresa e os empregos a ela vinculados.

Apesar da louvável iniciativa do CNJ, existem poucas dúvidas que o já assoberbado Poder Judiciário terá muita dificuldade para atender, com a urgência que se apresentará, demandas de credores e devedores.

Em reconhecimento a esta realidade, o Projeto de Lei 1379/2020 apresentado à Câmara de Deputados pelo Deputado Hugo Leal busca instituir um regime emergencial durante o estado de calamidade, com o principal objetivo de incentivar as partes a buscarem uma saída negocial. Esta iniciativa legislativa suspende por 60 dias as execuções de obrigações vencidas após o dia 20 de março e o trâmite de ações revisionais de contratos. Espera-se que neste prazo credores e devedores resolvam suas disputas. Terminado o prazo de suspensão sem que as partes logrem êxito, contudo, poderá ainda o empresário ou indivíduo, que tenha sofrido uma redução igual ou superior a 30% de seu faturamento, ingressar na Justiça com o que se denomina no Projeto de Lei de procedimento de negociação preventiva, como mais uma tentativa de se evitar o início de uma recuperação judicial.

A iniciativa do Deputado tem o grande mérito de incentivar as partes resolverem seus conflitos através de mecanismos negociais. Contudo, ao prever a suspensão de todas as cobranças por um prazo de 90 dias, contados à partir da data do deferimento do pedido de negociação preventiva, o Projeto de Lei poderá produzir efeito diverso ao pretendido e aumentar, ainda mais, o número de conflitos submetidos ao já assoberbado Poder Judiciário, vez que uma das condições para gozar da suspensão das cobranças é justamente uma manifestação judicial.

Quando a natureza do conflito não compele a sua sujeição ao Poder Judiciário, desde que as partes convencionem, apresentam-se como meios eficientes de soluções de disputas a arbitragem e a mediação.

O Brasil possui legislações modernas que conferem credibilidade e segurança jurídica à mediação e à arbitragem como meios de solução de conflitos. Conta, também, com câmaras bem estruturadas e com corpo técnico altamente capacitado.

Espera-se também um aumento significativo no número de conflitos que serão submetidos ao juízo arbitral no cenário pós Covid-19, inclusive conflitos envolvendo a administração pública, que desde 2015 pode se socorrer à arbitragem para resolver disputas que envolvam direitos patrimoniais. A mediação, por sua vez, ganhou importante relevância com a pandemia justamente por ser um meio mais flexível de solução de disputas, podendo, inclusive, concretizar-se através de meios eletrônicos.

As câmaras de mediação e arbitragem, contudo, estão muito concentradas no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, não sendo uma realidade muito presente em outras unidades da federação, o que aumenta ainda mais o custo destes procedimentos, que por vezes já é incompatível com a capacidade econômica das partes. Espera-se que se estruturem para atender o provável aumento no fluxo de demandas que advirão de todo o país e que esta demanda seja suficiente para ampliar as áreas de atuação das mais tradicionais câmaras ou o surgimento de novos tribunais arbitrais, câmaras de mediação ou até mesmo uma maior participação de entidades sindicais e federações.

Trabalhando nos últimos 10 anos diretamente na formatação jurídica de alguns dos maiores projetos de infraestrutura, bem como na gestão das relações contratuais produzidas pela concretização destes empreendimentos, posso reafirmar o valor da negociação para lidar com interesses em conflito sem produzir crises ou para mitigá-las. Incentivar e valorizar a negociação como principal forma de solução de conflito é o melhor caminho a ser perseguido pelas empresas e indivíduos neste conturbado cenário.

Mas, não raramente, negociações acabam por frustrar as expectativas das partes nelas envolvidas e acabam produzindo uma sentimento de frustração, seja por simplesmente não chegarem a um consenso e uma das partes “sair da mesa”, seja pela sensação de arrependimento após a conclusão de um acordo ou, até mesmo, pelo surgimento de um novo conflito em decorrência de uma negociação mal conduzida.

Diversas são as razões que desfavorecem um desfecho favorável e perene em uma negociação. Variam desde elementos que podem ser adequadamente endereçados, como um nível elevado de desgaste entre as partes ou a ausência de uma boa preparação, até a existência de normas jurídicas que limitam significativamente o poder de negociar de uma das partes, à exemplo do ocorrer com a administração pública no âmbito dos contratos públicos.

Mas, a principal causa de insucessos em negociações está no fato de empresas e indivíduos negligenciarem a preparação para os processos de negociação, diferentemente do que se observa quando decidem submeter suas disputas ao Poder Judiciário ou à uma câmara de arbitragem ou mediação.

Preparar-se adequadamente para negociações é de extrema relevância. Estar bem preparado produzirá melhor resultados e menos ruídos de natureza subjetiva.

Um bom processo de negociação deve buscar aperfeiçoar os arranjos realizados anteriormente e realinhar os interesses das partes envolvidas ao cenário que se impõe. Deve-se ter clareza de propósito, buscar aproximar premissas, equilíbrio e manter um adequado distanciamento subjetivo do problema.

Uma boa preparação deve levar em conta, ainda, aspectos externos – tais como as condições de mercado, conjuntura macroeconômica e política, posicionamento de outros players do mesmo setor – e aspectos internos como, por exemplo, a definição dos principais objetivos, opções à disposição, a definição racional do cenário alternativo mais favorável à uma saída não negociada, conhecido no mercado como pelo acrônimo BATNA, ou Best Alternative to a Non-Negotiated Agreement e a importância daquela relação para a empresa e para a contraparte.

As negociações mais bem sucedidas são aquelas em que as empresas e seus administradores realizam uma gestão ativa de seus direitos e obrigações, com o claro propósito de repactuar e reequacionar suas relações com as partes interessadas mais relevantes. Esta gestão ativa começa com o correto diagnóstico, passa por um cuidadoso desenho da estratégia e concretiza-se com uma execução diligente e disciplinada do planejado.

Artigo publicado na Análise Editorial.

Por Mauricio Dantas Bezerra

24/06/20

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